Mercado Municipal de Aracaju: o flagrante do desperdício
Texto publicado no Jornal O Inconfidente
Por Thiago Barbosa e Maristela Niz
Nas feiras livres espalhadas pelo Brasil é frequente a cena da garimpagem por restos de comida em lixeiras. Uma banana com a casca manchada, um tomate amassado ou qualquer que seja o produto danificado, bom para consumo e impróprio para atender as exigências do consumidor, é de grande serventia para suster uma fatia considerável da população brasileira que sofre com a problemática da fome.
Curioso é observar que o país que passa fome é o mesmo que recebe o título de um dos dez mais do mundo a desperdiçar alimentos. Segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas, aproximadamente 60% dos alimentos comprados para consumo doméstico vão para o lixo e a comida descartada representa mais da metade do lixo produzido por ano no Brasil. Nas lanchonetes, restaurantes e bares, 15% a 50% do que é feito para os clientes é jogado fora, o que daria para alimentar diariamente mais de dez milhões de pessoas.
O caminho do desperdício
Na realidade, as perdas começam do cultivo. Estima-se que 30% do que é produzido não é aproveitado. Há perdas durante o plantio, o transporte e o armazenamento, o que corresponde a 1,4% do PIB, ou seja, R$ 8,4 bilhões são descartados por ano. O Brasil é um dos maiores produtores de frutas do mundo, porém, por falta de preparo das pessoas do ramo da agroindústria e da falta de conscientização do consumidor, a uva é jogada da parreira no chão sem amortecedor, as caixas retangulares não acomodam bem as frutas que ficam amassadas pelo manuseio e transporte inadequado.
Nos mercados e feiras, os compradores enfiam as unhas nos alimentos, apertam a cebola com as mãos, quebram a ponta da vagem e do quiabo e ainda batem na melancia como teste para ver se o produto tem qualidade ou não. Ao descarregar a mercadoria, pisam nos sacos de batatas e pegam as caixas sem o menor cuidado empilhando-as em seguida no chão sujo dos mercados e ceasas. No final do dia, esses produtos serão descartados, não por terem apodrecido e se tornado impróprios para consumo, mas porque estão amassados, manchados (é o caso da banana) ou quebrados e, portanto não agradáveis aos olhos do consumidor. 10% do desperdício ocorre na colheita, 50% no manuseio e transporte, 30% nas centrais de abastecimento e 10% ficam para os supermercados e o consumidor que joga fora comida boa para consumo.
Reaproveitamento de alimentos e programas sociais
Com a grande proporção da fome no país, esbanjar alimentos é inadmissível. Além de estragá-los, o consumidor peca por não saber reaproveitar. Misturar casca de ovo triturada com farinha para fazer um bolo, ou ainda preparar um doce de maracujá só com a casca da fruta te parece estranho? Mais do que enriquecer a alimentação, é tornar últil o que aparentemente é descartável.
No que se refere a programas que visam a diminuição da fome através de doações de empresas, o Brasil enfrenta uma barreira: a legislação Federal responsabiliza os empresários do setor alimentício pela qualidade do produto que ele oferece, sobretudo do que é doado, e respondem civil e criminalmente por qualquer dano causado. Por isso, as empresas acabam optando por jogar o excedente na lixeira. "O destino da comida que sobra no restaurante é muitas vezes o lixo (...) Os donos de restaurantes têm medo de doar o que sobra para não serem responsabilizados caso alguém passe mal", afirma Nivaldo dos Santos, chefe de cozinha de um tradicional restaurante de Aracaju. Apesar de todo esse problema, bancos de alimentos (Mesa São Paulo, Banco de alimentos de Santo André, Prato amigo da prefeitura de Salvador) foram criados visando ao reaproveitamento, à organização das doações e a distribuição das mesmas em creches, asilos e demais instituições.
As doações em Sergipe
No âmbito estadual ainda são tímidas as ações voltadas para políticas mais efetivas de reutilização e distribuição de alimentos a fim de diminuir os índices da fome em Sergipe. "Infelizmente as ações de arrecadamento e distribuição de alimentos em nosso Estado acontecem de forma esporádica, geralmente feitas por instituições de caridade ou religiosas. Não existe iniciativas pontuais e corriqueiras nesse sentido", afirmou Maria Lúcia, coordenadora do programa de alimentação alternativa da secretaria estadual de ação social e combate à pobreza, confirmando a necessidade de se tornar válido para consumo o que aparentemente é descartável.